segunda-feira, 4 de maio de 2009

Que mancada! (baseada em relato verídico)

Caminhando distraído e sem rumo pelos arredores da cidade, de repente, sem reparar em um buraco na calçada, resultado de alguma reforma interminável que nossa prefeitura fez, enfiei o pé bem dentro do referido orifício, torcendo de forma infeliz meu tornozelo, que tantos quilômetros andou a procura de um emprego e resultando numa dolorosa entorse que me obrigou a manquitolar de maneira esquisita.
– E agora? Disse para mim mesmo. Como chegar a casa desse jeito? Não estou agüentando mais essa dor! O remédio é voltar. Atravessei a rua com o maior cuidado, olhando para ambos os lados da via, para não ser atropelado. Era só o que me faltava. Havia meses que eu inutilmente andava batendo de agência em agência de emprego, a procura de algum serviço, qualquer um serviria, eu precisava trabalhar, não só pela necessidade de grana, mas também para fazer alguma coisa útil. Meu tio, que Deus o tenha em bom lugar lá no céu (será que no paraíso celestial existem lugares especiais? Se existir, aquele homem deve ocupar uma dessas cadeiras, dada a sua sabedoria), sempre dizia: “Cabeça vazia, é oficina do diabo”; Credo! Não gosto nem de pensar em ficar desocupado, pensando em besteira ou o que é pior, fazendo besteiras. E, envolto nessas divagações, já na calçada do outro lado da rua, reparei em um rolinho meio familiar: - Será que é... Dinheiro? E era! Uma nota de cinqüenta reais, novinha e sedutora aos meus olhos parecia-me convidar a pegá-la... Aí, pensei nas possibilidades que fizeram com que ela viesse a parar ali, naquele cantinho próximo à parede, bem no lugar predileto dos cachorros demarcarem seu território... Teria sido um garoto? Pelo modo como foi encontrado o rolinho, presume-se que alguma criança, depois de ouvir tanta recomendação por parte da mãe ou do pai, enrolou aquela valiosa cédula e segurou-a apertando-a entre os dedos, para não perdê-la. Mas acabou perdendo do mesmo jeito. Ou seria uma senhora, que na pressa enrolou a nota e colocou na bolsa e depois se esquecendo do que fizera antes, retirou qualquer objeto (um pente, por exemplo) e o rolo enganchou no pente ou em outra coisa e caiu bem no chão, no “banheiro do cachorro”. Quem teria perdido afinal? Vai fazer sem dúvida... Podia ter sido o pagamento por um trabalho feito com muito sacrifício. E de novo lembrei-me do meu sábio tio: “Se tudo o que fosse achado, fosse deixado no mesmo lugar, o dono certamente passaria no local e o recuperaria...”. Mas, como estamos numa terra em que isso jamais iria acontecer, se não vier para minhas mãos, irá para outras mais impróprias, talvez para tomar cachaça num boteco ou gastar tudo em cartelas de bingo... É melhor que fique comigo; é para uma causa mais nobre. Assim pago a dívida dos pãezinhos de queijo que “pendurei” na padaria, compro uma máquina de cortar cabelo, que irá me proporcionar uma economia de cabeleireiro para mim e para meus irmãos, etc., etc. e tudo o mais. Olhei para um lado: ninguém; para o outro lado: nem viv’alma. Abaixei-me, agarrei aquela maravilha com uma das mãos, a outra apoiando o joelho da outra perna dolorida e fui me erguendo com um certo esforço. Ainda curvado, tornei a olhar ao redor, numa vã esperança de que o dono daquela nota pudesse aparecer desvanecendo minha nobre destinação ao seu valor monetário e, para minha incontida alegria, a nota deslizou sinuosamente em meu bolso e eu, fato consumado, pus-me finalmente de pé, girei o corpo para o lado oposto ao meu rumo e... Continuei... Mancando, como antes.

Um comentário:

  1. Fato verídico tem muito mais valor.
    Isso foi a recompensa por tantas caminhadas, ELE devia estar preparando algo melhor do que aqueles aos quais buscavas, ainda não era a hora, mas ao mesmo tempo sentiu que seria injusto o fato de voltares para casa de "mãos vazias". Com certeza, o que aquele que te deixou a nota deve ter ganho em dobro pelo serviço ao Senhor.

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